Medidas de Cobrança Atípicas: Excesso ou Necessidade?
- Piva Advogados
- 15 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de set. de 2024
Nos últimos anos, o cenário jurídico brasileiro tem presenciado uma crescente discussão sobre a utilização de medidas de cobrança atípicas, como o bloqueio de passaporte e de cartões de crédito, como forma de assegurar o cumprimento das obrigações pelos devedores. Essas medidas, que têm sido autorizadas por alguns tribunais, geram debates acalorados sobre sua legalidade e adequação, especialmente no que tange à restrição de direitos fundamentais.
Excesso ou Necessidade?
Por um lado, os defensores dessas medidas argumentam que, diante da ineficácia dos meios tradicionais de cobrança, como a penhora de bens e bloqueio de contas bancárias, é necessário buscar alternativas que garantam a efetividade das decisões judiciais. Em muitos casos, o devedor, mesmo possuindo recursos, tenta ocultá-los ou utilizá-los de maneira que impossibilite sua penhora, frustrando, assim, a execução da dívida. Nesse contexto, a aplicação de medidas atípicas surge como uma forma de pressionar o devedor a cumprir sua obrigação, evitando o uso de artifícios para se esquivar do pagamento.
Por outro lado, há uma preocupação legítima quanto ao possível abuso dessas medidas. A restrição ao direito de ir e vir, garantido pela Constituição Federal, levanta questões sobre a proporcionalidade e razoabilidade dessas ações. O bloqueio de um passaporte, por exemplo, pode impedir o devedor de viajar por motivos profissionais ou familiares, afetando diretamente sua vida pessoal e econômica; no mesmo sentido, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Da mesma forma, deve-se ressaltar quanto ao bloqueio de cartões de crédito, que pode comprometer a sobrevivência financeira do indivíduo, especialmente em situações onde o crédito é necessário para despesas essenciais.
O Papel do Judiciário: Garantidor de Direitos ou Executor de Obrigações?
A questão central que surge é até que ponto é lícito ao Judiciário adotar medidas que restrinjam direitos fundamentais para assegurar o cumprimento das obrigações. A própria legislação, ao permitir a adoção de medidas atípicas (Art. 139, IV do Código de Processo Civil), confere ao juiz uma ampla discricionariedade. No entanto, essa discricionariedade deve ser exercida com cautela e fundamentação robusta, considerando sempre os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
O Judiciário deve, portanto, balancear o direito do credor de ver sua dívida satisfeita com os direitos fundamentais do devedor. Medidas atípicas podem ser necessárias em casos extremos, onde outras tentativas de cobrança tenham sido infrutíferas e onde se evidencie má-fé por parte do devedor. Contudo, a aplicação dessas medidas deve ser a exceção, e não a regra, para evitar que se torne uma ferramenta de coerção desproporcional.
Em última análise, a discussão nos leva a refletir sobre o papel do Judiciário não apenas como executor de obrigações, mas como guardião dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos.
Análise pelo Superior Tribunal de Justiça
A análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a aplicação de medidas atípicas em ações de cobrança é um tema que tem gerado grande expectativa. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça vai definir, em recurso repetitivo, se é possível aplicar medidas atípicas em ações de cobrança, como suspensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito e de redes sociais.
Essa questão foi afetada como Tema Repetitivo 1137 em maio de 2023 e aguarda julgamento. O objetivo é estabelecer um entendimento uniforme sobre a possibilidade de aplicar tais medidas, sempre considerando a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade.
Em março de 2023, ao decidir pela afetação do tema, a Segunda Seção do STJ determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes sobre a mesma questão em todo o território nacional. Esse movimento ressalta a relevância do tema, que afeta diretamente a execução de decisões judiciais e o equilíbrio entre os direitos dos credores e dos devedores.
A decisão a ser proferida pelo STJ será importante para garantir uniformidade no entendimento e definir os limites e as condições sob as quais o Judiciário poderá aplicar essas medidas, potencialmente impactando o modo como as cobranças judiciais são conduzidas no Brasil.
Cabe ressaltar a necessidade de se garantir a efetividade das decisões judiciais sem, contudo, ferir os direitos fundamentais dos devedores, como o direito de ir e vir e o acesso a serviços essenciais.
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