IR Único de 17,5% para Investimentos: o que muda e quem ganha (ou perde) com a nova MP
- Sabrina Chabab Piva
- 8 de out.
- 5 min de leitura

1. Introdução
A Medida Provisória nº 1.303/2025, parte do pacote fiscal do Governo Federal, propõe uma alteração no regime de tributação dos investimentos financeiros ao instituir uma alíquota única de 17,5% sobre os rendimentos de aplicações em renda fixa, fundos de investimento, ações e criptoativos, com vigência projetada já para o exercício de 2026.
Trata-se de mudança relevante na sistemática do Imposto de Renda incidente sobre ganhos financeiros, atualmente regulada por tabelas regressivas, que variam conforme o prazo de aplicação, privilegiando o investimento de longo prazo. A proposta, portanto, suscita questionamentos quanto à isonomia tributária, ao princípio da capacidade contributiva e aos efeitos econômicos e jurídicos decorrentes da uniformização das alíquotas.
2. O modelo atual e a proposta de unificação
Atualmente, os rendimentos de aplicações financeiras seguem as regras previstas na Lei nº 11.033/2004, no Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda) e nas normas complementares da Receita Federal do Brasil, que tratam tanto das aplicações de renda fixa quanto das de renda variável.
No regime vigente, a tributação das aplicações de renda fixa é feita conforme uma tabela regressiva, que varia de acordo com o prazo de permanência da aplicação:
22,5% para resgates até 180 dias;
20% para prazos de 181 a 360 dias;
17,5% para prazos de 361 a 720 dias;
15% para prazos superiores a 720 dias.
Essa lógica busca incentivar o investimento de longo prazo, ao mesmo tempo em que impõe maior tributação sobre operações de curto prazo e especulativas.
Em relação à renda variável, os ganhos líquidos auferidos em operações com ações são, atualmente, tributados conforme o regime previsto na Lei nº 8.981/1995, no art. 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015 e no art. 2º da Lei nº 11.033/2004, com as seguintes regras:
15% sobre o ganho líquido em operações comuns;
20% sobre o ganho líquido em operações de day trade;
isenção para vendas de até R$ 20.000,00 por mês em operações no mercado à vista.
A MP 1.303/25, no entanto, extingue a progressividade temporal e propõe alíquota única de 17,5%, aplicável à generalidade das operações financeiras, incluindo fundos de investimento, ações, e criptoativos, preservando apenas algumas isenções específicas — como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas.
O texto ainda prevê a substituição da isenção mensal de R$ 20.000,00 por uma isenção trimestral de R$ 60.000,00 para alienações em renda variável, e a elevação da alíquota incidente sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%.
A unificação de alíquotas, portanto, embora simplifique a mecânica de apuração, elimina o caráter extrafiscal da tributação sobre investimentos, desincentivando o alongamento dos prazos de aplicação e a capitalização de longo prazo.
3. Fundamentos e justificativas do governo
Segundo a Exposição de Motivos da MP, a proposta visa:
“Simplificar a tributação, reduzir distorções entre modalidades de investimento e aumentar a neutralidade fiscal do sistema, assegurando maior previsibilidade e equidade na carga tributária.”
Em outras palavras, o objetivo declarado seria eliminar a assimetria tributária entre ativos de renda fixa e variável, uniformizando o tratamento fiscal. Contudo, ao analisar a questão sob o prisma jurídico-tributário, percebe-se que a neutralidade não necessariamente se confunde com justiça fiscal.
4. A perspectiva jurídica: neutralidade x capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, §1º, da Constituição Federal, impõe que os tributos sejam graduados segundo a potencialidade econômica do contribuinte.
A aplicação de alíquota única, por sua vez, ignora a diversidade de situações econômicas subjacentes a cada tipo de investimento, o que pode conduzir a uma violação indireta da isonomia tributária (art. 150, II, CF).
Na doutrina, Ricardo Lobo Torres (in Tratado de Direito Financeiro e de Direito Tributário, 2013) lembra que a justiça fiscal se realiza “quando o tributo leva em conta as circunstâncias e a natureza do fato gerador, e não apenas a igualdade formal do contribuinte perante a lei”. Assim, uniformizar sem considerar o perfil econômico de cada operação pode gerar desigualdade material entre investidores.
Além disso, a unificação da alíquota tende a desincentivar o investimento produtivo de longo prazo, contrariando diretrizes econômicas de fomento ao financiamento privado de projetos estruturantes, em especial os ligados ao mercado de capitais e à infraestrutura.
5. Efeitos práticos sobre diferentes aplicações
5.1 Renda fixa e Tesouro Direto
Com o fim da tabela regressiva, o incentivo temporal é suprimido, o que impacta diretamente produtos como CDBs e Tesouro Direto, tradicionalmente associados a objetivos de poupança de longo prazo. Todos pagam 17,5%, independentemente do prazo.
5.2 Fundos de investimento
Os fundos de investimento mantêm o mecanismo de come-cotas, que antecipa semestralmente o pagamento do imposto sem esperar o resgate.
5.3 Ações e Juros sobre Capital Próprio
A unificação atinge também o mercado de ações. A proposta unifica em 17,5% a tributação sobre ganhos com ações (inclusive day trade) e eleva de 15% para 20% o IR retido sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP). A isenção mensal de R$ 20 mil também seria substituída por uma isenção trimestral de R$ 60 mil.
5.4 Criptomoedas
A MP inclui ativos virtuais na base de incidência, tributando ganhos a 17,5% sem isenção mensal. Mas o texto cria uma janela de regularização para quem ainda não declarou seus ativos digitais, com alíquota reduzida de 7,5% até o fim de 2025.
5.5 Fundos Imobiliários (FIIs) e Fiagros
Mantêm a isenção de dividendos, desde que cumpram os requisitos de pulverização, e passam a ter IR de 17,5% sobre a venda de cotas, substituindo a atual alíquota de 20%.
5.6 LCI, LCA, CRI, CRA e Debêntures Incentivadas
Permanecem isentos, após forte resistência do mercado. O governo recuou da tentativa de tributar esses papéis.
6. Disposições finais
A criação de uma alíquota único para a tributação dos rendimentos de aplicações financeiras, como propõe a MP nº 1.303/25, representa um movimento claro de simplificação e uniformização do sistema tributário. Contudo, essa simplificação carrega efeitos colaterais relevantes, especialmente quando analisada sob a ótica do pacote de alterações propostas, e efetivas, na tributação, além da lógica da função extrafiscal dos tributos, ou seja, incentivar e desincentivar comportamentos.
Val lembrar que a a tabela regressiva aplicada à renda fixa, por exemplo, nasce da finalidade de desestimular operações especulativas de curtíssimo prazo e incentivar o investimento de longo prazo, incentivando a poupança e capitalização.
Retirar esta progressividade, portanto, tende a reduzir o diferencial de estímulo entre prazos de aplicação, se aproximando-se de uma lógica de neutralidade tributária, o que, por outro lado, enfraquece o caráter desenvolvimentista dessa política fiscal.
Nesta lógica, pensando no longo prazo, pode acabar resultando em uma redução na formação de poupança de longo prazo, e maior volatilidade nos investimentos (por meio de operações de curto prazo e/ou especulativas), diante da perda de incentivos à permanência.
Faria-se essencial, nesse cenário, uma política complementar voltada à educação e estímulo da poupança e capitalização de longo prazo, tanto como instrumento de crescimento patrimonial, quanto de planejamento financeiro individual.
A uniformização das alíquotas também pode impactar a arrecadação, exigindo do Estado uma calibragem, especialmente de estímulos extrafiscais, como debentures incentivadas e fundos de infraestrutura, para compensar eventuais desequilíbrios arrecadatórios e preservar o direcionamento dos investimentos produtivos.
Em síntese, a aprovação da MP 1.303/25, inaugura um novo ciclo de adaptação tributária, que requer planejamento e cuidado político.
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